segunda-feira, 21 de março de 2016

Dia da poesia

Sendo hoje dia da poesia, nada melhor que um poema de um dos maiores poetas portugueses: Fernando Pessoa. Neste caso, a escolha recai sob um dos seus heterónimos - Álvaro de Campos.

Que Noite Serena!

Que noite serena! 
Que lindo luar! 
Que linda barquinha 
Bailando no mar! 

Suave, todo o passado — o que foi aqui de Lisboa — me surge... 
O terceiro andar das tias, o sossego de outrora, 
Sossego de várias espécies, 
A infância sem futuro pensado, 
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas, 
E tudo bom e a horas, 
De um bem e de um a horas próprio, hoje morto. 

Meu Deus, que fiz eu da vida? 
Que noite serena, etc. 

Quem é que cantava isso? 
Isso estava lá. 
Lembro-me mas esqueço. 
E dói, dói, dói... 

Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa 

Breve análise
    Neste poema, o sujeito poético recorda nostalgicamente o tempo de infância e compara-o ao momento presente em que vive.
   Assim, o eu poético, na segunda estrofe, evidencia como vivia antigamente em Lisboa, onde existia sossego e felicidade, sem existir grandes preocupações que se têm quando se chega à fase adulta.
   Além disso, o eu lírico relembra a sua vida quotidiana, por exemplo o constante ruído da máquina de escrever das tias.
     No entanto, o sujeito lírico tem noção que está a viver o presente e que o passado já mais não volta. Por isso, questiona-se sobre o percurso da sua vida, uma vez que a felicidade que existia na infância transformou-se em mágoa, desilusão e tristeza. A comprovar esta ideia, recorre-se aos últimos versos como “e dói, dói, dói…”
   Nesse sentido, no último verso, o sujeito poético não quer mais recordar para não aumentar o seu sofrimento. Se não se lembrar, não se sente tão frustrado e deprimido por não poder mais reviver a época da inconsciência, ingenuidade e verdade.

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